A Ilusão da Autonomia: O Sujeito que Quer Parar, Mas Não Consegue
- Luciano Ribeiro
- 29 de jul.
- 2 min de leitura
Atualizado: 3 de ago.
O bem que eu quero contra a falta que existe em mim.

Quantas vezes ouvimos alguém dizer: "Se ele realmente quisesse, já teria parado"? Essa frase carrega um julgamento comum — e equivocado — sobre a dependência química. Por trás dela, está a ideia de que bastaria força de vontade para largar a droga. No entanto, a clínica revela algo mais complexo: a vontade consciente de parar não é suficiente quando o inconsciente insiste em repetir.
Neste artigo, vamos explorar a tensão entre o desejo de mudar e a compulsão de repetir, mostrando como a psicanálise pode nos ajudar a entender essa aparente contradição.
O Sujeito Dividido: Eu quero, mas não consigo.
Freud nos mostra que o sujeito não é senhor em sua própria casa. Ou seja, mesmo que uma parte de nós deseje algo (parar, mudar, ser livre), há outra parte — inconsciente — que opera silenciosamente em outra direção.
Na dependência, isso aparece claramente:
O sujeito sofre com o uso.
Deseja parar, se culpa, se compromete.
Mas, ainda assim, repete o uso.
Por quê? Porque existe um ganho secundário, simbólico, que o sujeito ainda não consegue abrir mão. A droga funciona como “resposta” à angústia, à falta, ao vazio.
A armadilha da autonomia
A sociedade valoriza a autonomia, o autocontrole, a ideia de que somos donos de nossos atos. Mas o dependente desmascara essa ilusão. Ele revela que nem sempre decidimos com liberdade — há forças internas que nos empurram para repetir o mesmo roteiro, mesmo com sofrimento.
Essa é uma das maiores dores do sujeito em recuperação: sentir que quer, mas não consegue. Isso não é fraqueza. É estrutura.
O lugar da droga como solução
Na perspectiva psicanalítica, a droga não é apenas o problema — ela também é uma solução. Um recurso mal-adaptado que tenta aplacar a angústia, silenciar a falta, preencher algo impossível.
O uso funciona como:
Uma anestesia simbólica.
Um escape do excesso de realidade.
Uma forma de calar o desejo.
Enquanto a droga ocupa esse lugar, não basta querer parar: é preciso criar outra forma de lidar com o que ela tentava encobrir.
Como a clínica psicanalítica pode ajudar?
O espaço clínico não trabalha com conselhos prontos, mas com escuta. Ele permite que o sujeito:
Nomeie seu sintoma.
Reconheça sua repetição.
Descubra qual função a droga cumpre em sua história.
Só assim é possível sair da lógica da força de vontade e entrar no campo da responsabilidade simbólica — onde parar de usar passa por reorganizar o sentido da própria vida.
Conclusão
A vontade de parar não é mentira. O que acontece é que, muitas vezes, ela está em conflito com forças internas mais profundas. Reconhecer essa divisão não é fracasso — é o início da escuta e da mudança.
Quem deseja verdadeiramente se libertar precisa mais do que disciplina: precisa mergulhar em si mesmo.
Por Luciano Ribeiro — Terapeuta em Dependência Química | Estudante de Psicanálise
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