Trauma relacional: quando o outro é a ferida
- Luciano Ribeiro
- 11 de ago.
- 2 min de leitura
A influência de relações abusivas ou negligentes na construção do sintoma adictivo

Nem todo trauma vem de eventos extremos e isolados. Às vezes, ele é tecido no dia a dia, nas relações mais próximas. Palavras que ferem, silêncios que afastam, presenças que não protegem. Esse é o trauma relacional — uma ferida aberta não pelo que aconteceu uma vez, mas pelo que se repetiu muitas vezes na relação com o outro.
Na clínica psicanalítica, vemos que a dependência química, muitas vezes, é uma tentativa inconsciente de se defender dessa dor relacional. A droga entra como um "outro confiável", que não julga, não abandona e sempre está ali.
Quando o outro é a ferida
Freud nos mostra que somos marcados pelas primeiras relações — elas moldam como percebemos o mundo e como nos percebemos.
Um pai ausente, uma mãe que desqualifica, um parceiro abusivo — todos podem deixar marcas que não se apagam com o tempo.
O sujeito aprende a esperar pouco do afeto e muito da anestesia.
Lacan acrescenta que o desejo do sujeito é atravessado pelo desejo do Outro. Quando o Outro é agressivo, negligente ou instável, o sujeito internaliza a ideia de que amar e sofrer são indissociáveis.
A droga como refúgio relacional
Em casos de trauma relacional, a droga cumpre funções específicas:
Evitar o contato emocional que reativa a ferida.
Construir um “relacionamento” previsível, onde não há a frustração do abandono.
Anestesiar a vergonha e a sensação de insuficiência herdadas da relação com o Outro.
A droga se torna uma espécie de aliança secreta contra o mundo, substituindo a relação humana pelo efeito químico.
O risco da repetição
O sujeito que carrega um trauma relacional não tratado tende a buscar relações que repitam, inconscientemente, o padrão conhecido.
Ele pode escolher parceiros abusivos ou emocionalmente indisponíveis.
Pode provocar rupturas antes que o outro o abandone.
Ou se isolar para evitar qualquer risco afetivo.
A recaída, nesse contexto, não é só sobre a substância, mas sobre a fidelidade a um modelo relacional conhecido.
O caminho da elaboração
A superação do trauma relacional exige mais do que parar de usar. É preciso:
Reconhecer o padrão relacional que sustenta a dor.
Nomear as experiências que geraram a ferida.
Produzir novos significantes sobre si, para não se definir apenas pelo trauma.
Criar vínculos seguros, onde seja possível experimentar afeto sem repetição da violência.
A psicanálise oferece esse espaço — não para apagar o passado, mas para simbolizá-lo de forma que ele não precise mais se repetir no presente.
Conclusão
O trauma relacional nos lembra que a droga não é apenas química no corpo; é também a história do sujeito em relação ao outro. Escutar essa história, e não apenas condenar a substância, é abrir caminho para que o dependente possa, enfim, construir relações que curem ao invés de ferir.
Por Luciano Ribeiro — Terapeuta em Dependência Química | Estudante de Psicanálise
Baixe o ebook gratuito : Compulsão, quando o sintoma sobrevive a abstinência.
Faça parte do meu grupo de WhatsApp gratuito.



Comentários