Distorções cognitivas e dependência química: como a droga altera a percepção da realidade
- Luciano Ribeiro
- 22 de set.
- 3 min de leitura

1. Introdução — A mente sob influência
A dependência química não afeta apenas o corpo, mas também a forma como pensamos, interpretamos e reagimos ao mundo. As drogas modificam diretamente o funcionamento cerebral, alterando a percepção da realidade e favorecendo o surgimento de distorções cognitivas — formas distorcidas de pensar que justificam comportamentos nocivos.
Essas distorções influenciam tanto os momentos em que o indivíduo está sob efeito da droga quanto aqueles em que está sóbrio, criando um ciclo que reforça o vício e dificulta a recuperação.
2. Como a droga favorece as distorções cognitivas
No uso da substância, há alterações importantes nos sistemas cerebrais de recompensa, julgamento e memória. O efeito químico aumenta a liberação de dopamina e reduz a atividade do córtex pré-frontal — região responsável pelo pensamento crítico e tomada de decisões.
Essa combinação cria o cenário ideal para que pensamentos automáticos e distorcidos assumam o controle. Alguns exemplos comuns:
“Eu mereço usar depois de tudo que passei.”
“Só mais uma vez não vai me prejudicar.”
“Se eu não usar, não vou aguentar essa dor.”
Sob efeito da droga, essas crenças parecem absolutas e se tornam quase impossíveis de questionar, porque a capacidade de análise racional fica temporariamente comprometida.
3. Distorções cognitivas durante o uso
Quando o dependente está sob efeito da droga, algumas distorções típicas se intensificam:
Minimização: diminuir os riscos e consequências do uso.
“Dessa vez ninguém vai perceber.”
Catastrofização invertida: supervalorizar o alívio imediato e ignorar os problemas futuros.
“Se eu usar agora, tudo vai ficar bem.”
Racionalização: criar justificativas para manter o comportamento.
“Todos usam, por que eu seria diferente?”
Nesse estado, a droga age como um filtro que apaga limites, aumenta impulsos e reduz a percepção de risco, levando o indivíduo a tomar decisões que jamais tomaria em sobriedade.
4. Distorções cognitivas fora do uso
Mesmo quando não está sob efeito, o dependente continua vulnerável. Isso acontece porque o cérebro, condicionado pela substância, mantém as distorções como estratégias de sobrevivência emocional. Alguns exemplos:
Pensamento dicotômico: enxergar tudo em termos de “tudo ou nada”.
“Se não posso parar de uma vez, então não adianta tentar.”
Leitura mental: acreditar que os outros o julgam o tempo todo.
“Minha família nunca vai confiar em mim, então não adianta me esforçar.”
Autoculpa exagerada: responsabilizar-se por tudo que deu errado.
“Minha vida não tem conserto, eu estraguei tudo.”
Sem a droga, as distorções mantêm a mente presa ao passado e dificultam o processo de mudança, alimentando a fissura e o risco de recaída.
5. Como a terapia ajuda a quebrar o ciclo
A Terapia oferece técnicas práticas para identificar, questionar e substituir distorções cognitivas. Entre elas:
Registro de pensamentos automáticos: anotar situações, gatilhos e respostas emocionais para aumentar a consciência sobre os padrões de pensamento.
Reestruturação cognitiva: desafiar crenças disfuncionais e buscar interpretações mais equilibradas.
Treino de habilidades emocionais: aprender a lidar com a ansiedade, frustração e medo sem recorrer à droga.
Quando o paciente aprende a reconhecer seus próprios filtros mentais, ganha ferramentas para retomar o controle da vida, tanto nos momentos de fissura quanto na sobriedade.
Conclusão — Reconstruindo a percepção
A dependência química cria um duplo aprisionamento: altera a química cerebral e molda os padrões de pensamento. Com isso, o dependente passa a viver uma realidade distorcida, seja no efeito da droga ou fora dele.
Reconhecer e trabalhar essas distorções é um dos caminhos mais eficazes para recuperar a autonomia, reconstruir a identidade e abrir espaço para uma vida mais consciente e significativa.
Por Luciano Ribeiro — Terapeuta em Dependência Química | Estudante de Psicanálise
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