A vergonha da família: quando o dependente ocupa o lugar do sintoma familiar
- Luciano Ribeiro
- 30 de jul.
- 2 min de leitura
Atualizado: 5 de ago.

Na clínica psicanalítica, aprendemos a não tomar o dependente químico como o único “portador do problema”. Muitas vezes, ele ocupa uma função estrutural no sistema familiar — ele é o que aparece, o que grita, o que sofre visivelmente. Mas, por trás dele, pode haver um sintoma maior: a própria família.
A vergonha que a família sente por causa do dependente pode esconder algo mais profundo: a tentativa inconsciente de manter uma imagem intacta, perfeita ou idealizada, mesmo às custas da dor de um de seus membros.
O dependente como “porta-voz” do mal-estar familiar.
Segundo a psicanálise, o sintoma nunca é isolado, ele está sempre em relação com um Outro.Em muitas famílias, o dependente é o que encarna o sintoma, o que expressa no corpo e no comportamento aquilo que a família inteira tenta recalcar: a falência de seus laços, o silêncio das faltas, a rigidez dos papéis.
“Meu filho usa, mas nossa família é unida.”
Será?
A vergonha como defesa.
A vergonha da família não é apenas moral. Muitas vezes, ela é uma defesa psíquica contra a angústia de reconhecer que o problema é mais amplo do que o indivíduo usuário.É mais fácil dizer “ele é o problema” do que se perguntar:
O que ele carrega por nós?
Que discurso familiar ele está encenando?
O que seu comportamento denuncia que preferimos não ver?
A função do bode expiatório.
O dependente pode ocupar o lugar de bode expiatório: ele carrega as dores, os conflitos e as frustrações que circulam silenciosamente no núcleo familiar.Enquanto todos apontam para ele, o resto permanece intocado.Isso mantém a fantasia de que a família estaria bem se “ele” melhorasse.
O problema não é só a droga. O sintoma não é só do dependente.🔹 O tratamento não pode ser apenas individual.
O convite à responsabilização coletiva.
Quando a família compreende que não é apenas espectadora, mas coautora da narrativa do dependente, abre-se uma possibilidade real de transformação.
Lacan afirma: “O sintoma é uma mensagem a ser decifrada.”
Escutar o sintoma do dependente como mensagem coletiva, e não como falha individual, pode inaugurar novos modos de relação, de escuta e de cuidado — menos culpabilizantes, mais simbólicos.
Conclusão
A vergonha da família, ao invés de ser apenas um sentimento, pode estar funcionando como uma estrutura de negação e silêncio.Quando o dependente é visto como o único a ser tratado, a família mantém intacto o próprio sintoma: a recusa em se olhar.
Mas quando a vergonha se transforma em escuta, e o sintoma é lido como linguagem, nasce a possibilidade de uma nova história — para todos.
Por Luciano Ribeiro — Terapeuta em Dependência Química | Estudante de Psicanálise
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