Como experiências traumáticas na infância influenciam o uso compulsivo de drogas na vida adulta.
- Luciano Ribeiro
- 7 de ago.
- 3 min de leitura

Muitas histórias de dependência química começam muito antes do primeiro uso. Não raro, elas têm início na infância, em cenas aparentemente esquecidas, mas profundamente marcadas na estrutura psíquica do sujeito. A droga, nesses casos, não é apenas um vício — é uma resposta psíquica a dores que não puderam ser simbolizadas.
Este artigo propõe uma reflexão: e se a substância for, na verdade, uma tentativa desesperada — e falha — de anestesiar feridas precoces?
O trauma infantil como marca fundante.
Na teoria psicanalítica, especialmente em Freud e Lacan, entendemos que a infância é o tempo da inscrição do sujeito no campo do Outro — o campo da linguagem, da Lei, da presença (ou ausência) dos cuidadores. É nesse tempo que o sujeito experimenta os primeiros afetos, frustrações e angústias.
Quando essa fase é marcada por abandono, violência, abuso, humilhação ou negligência emocional, a criança vive uma dor psíquica intensa, muitas vezes sem recursos simbólicos para elaborar. O trauma, então, fica “cru”, alojado no corpo e no inconsciente.
A droga como anestésico psíquico:
Na vida adulta, sem saber, o sujeito pode buscar na droga um alívio para essa dor sem nome. Ela oferece o que parece ser uma solução:
Silencia o excesso de angústia;
Cria uma barreira contra lembranças intrusivas;
Oferece uma falsa sensação de controle;
Permite um "desligamento" do mundo interno.
Mas como ensina Lacan, não há relação direta com o objeto perdido, apenas tentativas de tamponar a falta. A droga, então, não resolve o trauma — ela o adia, ao custo de criar um novo sintoma.
O corpo como palco do trauma.
O trauma infantil não tratado não desaparece. Ele se inscreve no corpo, se converte em sintomas, compulsões, somatizações. O uso de substâncias pode ser uma forma de expressar aquilo que não pôde ser dito.
“O que não se elabora em palavras retorna como sintoma.” – Freud
O falso alívio e a repetição:
O alívio que a droga oferece é momentâneo. Logo, o trauma retorna — e com ele, a necessidade de novo uso. Cria-se uma repetição compulsiva que tenta, sem sucesso, resolver o que nunca foi simbolizado.
Lacan chama isso de gozo no desprazer: o sujeito, paradoxalmente, encontra prazer em repetir o que lhe causa dor, porque isso oferece uma forma de consistência psíquica — mesmo que doentia.
Escutar a infância na fala do adulto:
A clínica psicanalítica oferece um espaço onde o sujeito pode, finalmente, dar palavra à dor antiga. Ao falar, ele transforma o trauma em narrativa. O que era grito silencioso vira significante. Isso não apaga o que houve, mas possibilita uma nova posição frente à experiência.
Conclusão:
A dependência química, muitas vezes, é o eco de um trauma infantil não elaborado. Ao invés de julgar o uso como fraqueza ou falta de caráter, precisamos perguntar: “O que essa droga tenta calar?”
O caminho da recuperação passa não apenas pela abstinência, mas pela escuta. Pela coragem de voltar à infância — não como condenação, mas como possibilidade de reconstrução.
“Não é ao passado que voltamos na análise, mas à estrutura que o passado deixou em nós.” – Jacques Lacan
Por Luciano Ribeiro — Terapeuta em Dependência Química | Estudante de Psicanálise
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