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Dependência quimica. O silencio que grita.

  • Foto do escritor: Luciano Ribeiro
    Luciano Ribeiro
  • 14 de out.
  • 3 min de leitura
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O sintoma que fala onde a palavra não alcança

Nem todo sofrimento faz barulho. Há dores que não se expressam em gritos, mas em gestos, hábitos, fugas e, muitas vezes, em substâncias. O dependente químico, na maioria das vezes, não busca apenas o prazer imediato que a droga oferece; ele tenta calar um silêncio interno que se tornou insuportável. Esse silêncio não é vazio — ele está cheio de histórias não ditas, emoções interditadas e memórias que nunca puderam ser elaboradas.


1. O silêncio como defesa e sintoma

Na psicanálise, o silêncio é muitas vezes um mecanismo de defesa. Ele surge quando o sujeito não encontra palavras para representar o que sente. O inconsciente, porém, não conhece o silêncio absoluto: aquilo que é reprimido, retorna. E quando não retorna pela palavra, retorna pelo corpo, pelo ato ou pelo sintoma.


Assim, a droga entra em cena como um meio de expressão não verbal, uma tentativa de falar sem precisar dizer. O uso se torna um idioma alternativo, onde cada dose é uma forma inconsciente de traduzir algo que não pôde ser nomeado,

uma dor antiga, um abandono, uma falta que não se elaborou.


2. O uso como tentativa de comunicação

Muitos dependentes relatam que “não sabem por que usam”, apenas sentem um impulso incontrolável. A psicanálise entende esse movimento como uma fala do inconsciente, uma tentativa de comunicação truncada. O sujeito tenta, por meio do uso, estabelecer uma relação com aquilo que o falta, com o desejo que nunca pôde ser reconhecido.


A droga, portanto, se transforma em interlocutora psíquica: é com ela que o sujeito “fala”, mesmo que de forma destrutiva. Ela é presença, é companhia, é ilusão de controle. Mas, ao mesmo tempo, é prisão — porque ao tentar calar a dor, o sujeito também silencia a si mesmo.


3. A função da escuta no processo terapêutico

Quando o dependente chega ao espaço terapêutico, traz consigo esse silêncio pesado. E a função do analista não é forçá-lo a falar, mas criar um espaço onde o silêncio possa se transformar em palavra. O processo de escuta possibilita ao sujeito compreender que aquilo que o movia ao uso não era apenas vontade ou fraqueza, mas uma necessidade inconsciente de elaborar o indizível.


A palavra, nesse sentido, não é simples expressão — é cura simbólica. Ao nomear, o sujeito reinscreve a experiência no campo da linguagem, tirando-a do corpo e devolvendo-a ao campo da consciência.


4. Escutar o que o silêncio tenta dizer

O maior desafio na recuperação não é apenas manter a abstinência, mas escutar o que o silêncio ainda grita. Isso exige coragem e presença. Exige suportar a angústia que antes era anestesiada e, aos poucos, reconstruir uma narrativa onde a dor possa ser dita, e não apenas vivida.

Recuperar-se, portanto, é reaprender a escutar, escutar o próprio corpo, o próprio inconsciente, e as palavras que estavam aprisionadas na repetição do uso.


Conclusão

O silêncio que grita é a parte mais antiga da alma pedindo tradução.Ele fala através da compulsão, da ansiedade, do vazio e da fuga.Mas quando encontra espaço para ser ouvido, o grito se transforma em palavra — e a palavra em possibilidade de vida.

Porque curar-se, no fundo, é deixar de calar o que nos dói e permitir que o silêncio finalmente seja escutado.


Por Luciano Ribeiro — Terapeuta em Dependência Química | Estudante de Psicanálise


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