top of page

Recaída: fracasso ou parte do processo? Uma leitura psicanalítica

  • Foto do escritor: Luciano Ribeiro
    Luciano Ribeiro
  • 3 de set.
  • 2 min de leitura
ree

A recuperação da dependência química não é uma linha reta. Quem já enfrentou o desafio de abandonar a droga sabe que, muitas vezes, o caminho parece um labirinto: cheio de avanços, retrocessos, repetições e descobertas. Nesse contexto, a recaída costuma carregar um peso enorme — tanto para quem recai quanto para a família. Mas será que a recaída é sempre um fracasso? Ou pode fazer parte do processo de transformação psíquica?


A lógica interna da recaída


Na psicanálise, entendemos que a recaída não é um ato isolado e tampouco algo sem sentido. Ela obedece a uma lógica interna do inconsciente. Antes da substância, há um retorno do gozo: um desejo profundo de reviver algo, de encontrar um alívio, de silenciar dores internas que não foram simbolizadas.


  • A droga funciona como objeto de completude: ela ocupa o lugar do que falta, daquilo que o sujeito sente que nunca teve.


  • A recaída pode vir acompanhada de situações emocionais gatilho: perdas, rejeições, cobranças, ou até mesmo conquistas que geram ansiedade.


  • Na verdade, muitas vezes, o sujeito recai muito antes do uso: no pensamento, na fantasia, no abandono dos cuidados terapêuticos, no isolamento.


Recaída: fracasso ou parte do processo?


A recaída pode ser encarada de dois modos distintos:


  • Como fracasso:Quando a pessoa se identifica completamente com o uso, sente que “nada adianta”, que “é impossível mudar”. Isso gera culpa, vergonha e, muitas vezes, alimenta ainda mais o ciclo da compulsão.


  • Como parte do processo:Nessa perspectiva, a recaída não invalida o esforço. Pelo contrário, pode ser um marco de aprendizagem. É o momento de revisitar o que estava funcionando, entender quais foram os gatilhos e fortalecer os pontos frágeis do processo de simbolização.


A verdadeira transformação acontece quando a recaída deixa de ser vivida como derrota e passa a ser entendida como um sinal: algo no caminho precisa ser revisto, reorientado e ressignificado.


O que fazer diante da recaída?


  1. Evitar a autossabotagem

    • Culpa e vergonha alimentam o ciclo do uso. É importante trocar o autojulgamento por autocompaixão.


  2. Revisitar os gatilhos

    • Identifique o que levou à recaída: pensamentos, emoções, situações ou relações.

    • Muitas vezes, o uso começa na fantasia antes de acontecer na prática.


  3. Reaproximar-se do processo terapêutico

    • Buscar grupos de apoio, terapia, psicanálise ou espiritualidade.

    • Reforçar a importância da rede de suporte.


  4. Transformar o aprendizado em movimento

    • Cada recaída pode revelar pontos cegos do tratamento.

    • O objetivo não é apenas se manter “limpo”, mas ressignificar a relação com o próprio desejo.


Conclusão


A recaída não define quem você é. Ela revela onde ainda há feridas abertas, histórias não ditas e dores não elaboradas. Sob o olhar psicanalítico, ela pode ser uma oportunidade de simbolização: de colocar em palavras o que antes era vivido apenas no corpo, no ato, na compulsão.

Recuperar-se é mais do que parar de usar — é aprender a lidar com o vazio sem precisar preenchê-lo com a droga. Isso exige coragem, paciência e, principalmente, permissão para recomeçar.


Por Luciano Ribeiro — Terapeuta em Dependência Química | Estudante de Psicanálise


Baixe o ebook gratuito : Compulsão, quando o sintoma sobrevive a abstinência.



Faça parte do meu grupo de WhatsApp gratuito.



Comentários


bottom of page