O que é cura na dependência química sob o olhar da psicanálise?
- Luciano Ribeiro
- 20 de ago.
- 2 min de leitura

Quando falamos em dependência química, a palavra “cura” costuma trazer expectativas difíceis de sustentar. Muitos pensam que estar curado significa nunca mais sentir vontade, nunca mais correr risco de recaída, ou viver sem nenhuma marca daquilo que já aconteceu. Mas será que essa ideia de cura corresponde ao que acontece na vida real?
A cura não é apagar o sintoma
Na psicanálise, não falamos de cura como “apagar” o sintoma. Freud já nos alertava que o sintoma é uma formação de compromisso: ele surge como resposta a um conflito inconsciente. Lacan, por sua vez, dizia que não existe um sujeito sem falta — não há completude possível.A droga, nesse sentido, não é só um veneno: ela foi, em algum momento, uma solução encontrada pelo sujeito para lidar com sua dor, sua angústia, seu vazio.
Curar, portanto, não é simplesmente arrancar a droga do caminho. Se fosse assim, bastaria a abstinência e tudo estaria resolvido — mas sabemos que não é.
Cura é transformar a relação com o sintoma
A psicanálise propõe algo diferente: dar palavra ao sintoma. O que estava agindo no corpo, na compulsão e no uso repetitivo, pode ganhar voz.A cura não é eliminar a falta, mas aprender a lidar com ela sem precisar do entorpecimento químico. É quando o sujeito encontra novas formas de se posicionar diante do seu desejo, sem estar escravizado pelo mesmo roteiro repetitivo.
Em outras palavras, cura é deslocamento:
Deixar de ser falado apenas pela droga e poder falar de si;
Transformar a droga de solução única em uma história que pode ser ressignificada;
Sair da lógica da compulsão e entrar no campo do desejo.
Cura é poder desejar novamente
Freud dizia: “O que um homem deseja é sempre outra coisa diferente do que ele pensa desejar.”A cura, na dependência, não significa nunca mais sentir falta da droga, mas abrir espaço para outros desejos, outras narrativas, outras formas de viver.
Quando o sujeito consegue não mais se identificar apenas como “o dependente”, mas como alguém que escreve sua própria história, algo da cura se inaugura.
Conclusão
Na psicanálise, a cura não é um estado fixo, mas um processo de simbolização contínua. É aprender a lidar com a falta estrutural da condição humana sem precisar se ancorar apenas na droga. É encontrar novas palavras, novos vínculos e novos modos de existir.
Assim, podemos dizer: a cura não é o fim da luta, mas a possibilidade de viver de outra forma.
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