O sintoma do outro: quando o dependente ocupa o lugar central da família
- Luciano Ribeiro
- 30 de jul.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 12 minutos

Muitas vezes, quando falamos em dependência química, olhamos apenas para o sujeito que usa. Esquecemos que, ao redor dele, existe um sistema familiar inteiro que também está em sofrimento e que, de alguma forma, participa da sustentação desse uso.
Na psicanálise, aprendemos que o sujeito nunca está isolado. Ele se constitui nas relações, especialmente com as figuras mais próximas. Por isso, o dependente químico pode estar ocupando uma função que vai muito além da sua vontade ou escolha: ele pode estar sendo o sintoma da família.
O sintoma não está apenas em quem usa.
Freud já dizia que um sintoma é uma tentativa de resolução, mesmo que fracassada, de um conflito inconsciente. Quando olhamos para uma família marcada pela dependência, é preciso se perguntar:
“O que está sendo sustentado por esse uso?”
Às vezes, a presença do usuário, com todas as suas crises, recaídas e cuidados exigidos, ocupa o lugar central da dinâmica familiar. Tudo gira em torno dele: as conversas, os conflitos, os silêncios, as esperanças. Ele se torna o "problema visível", enquanto outros conflitos profundos da família permanecem encobertos.
Quando o dependente carrega o sintoma de todos.
É comum ver famílias onde, antes mesmo da dependência surgir, já havia ausência de diálogo, sobrecarga emocional, traumas não elaborados, segredos e mágoas não ditas. Nesse contexto, a entrada da droga é apenas o capítulo mais explícito de uma história muito mais antiga.
Assim, o sujeito que usa a droga pode estar ocupando um lugar funcional (ainda que destrutivo) na estrutura familiar: ele “organiza” as relações, concentra as atenções, impede rupturas. Ele é, paradoxalmente, quem sustenta a unidade familiar mesmo pelo sintoma.
Famílias que não sabem existir sem o problema.
Você já viu famílias que, mesmo após a recuperação do dependente, começam a entrar em crise?
Isso acontece porque, sem o “problema central” para reunir todos, cada um é obrigado a olhar para si mesmo. A droga, nesse sentido, mantinha algo organizado. Sua ausência escancara o vazio, os conflitos evitados e as dores individuais.
Exemplo clínico (anônimo):Uma mãe dizia: “Quero muito que meu filho se recupere.” Mas, nas entrelinhas, havia medo: se ele se curasse, ela teria que lidar com a solidão, com seu casamento falido, com a perda de sentido da maternidade como identidade total.Nesse caso, a recuperação do filho ameaçava a estrutura subjetiva da mãe.
A droga como defesa da família.
Lacan nos ensina que um sintoma pode servir ao sujeito e ao Outro (no caso, a família). Ou seja, a droga pode ser um modo do sujeito se proteger e, ao mesmo tempo, um modo de proteger a família de um colapso.Isso não é racional nem consciente é estrutural.
Imagine uma família em que:
Os pais têm um casamento falido, mas não se separam porque “precisam cuidar do filho dependente”.
Os irmãos guardam mágoas antigas, mas nunca falam delas porque “o foco é ajudar o irmão”.
A mãe tem um sentimento de inutilidade, mas se sente viva cuidando do filho “doente”.
Nesse contexto:
Para o dependente: A droga é uma forma de anestesiar sua dor, sua falta, seu vazio. Para a família: O uso da droga mantém tudo “funcionando” mal, mas funcionando. Todos têm um papel. Todos sabem onde estão.
O colapso aconteceria se o sujeito parasse de usar — porque isso obrigaria a família inteira a se reorganizar, a confrontar seus próprios vazios.
O que fazer com isso?
A primeira resposta não é “tirar a droga”, mas permitir que cada membro da família entre em contato com sua própria falta. Isso significa que todos precisam olhar para si, nomear suas dores, desconstruir os papéis que se repetem.
Quando a família inteira adoece, a cura precisa ser coletiva.
Conclusão
O dependente não é só um indivíduo em crise ele é, muitas vezes, o porta-voz de uma história familiar silenciosa. Tratar apenas o uso é enxugar gelo.É preciso escutar o que está por trás do sintoma.É preciso escutar o que a família sustenta com esse sofrimento.
Por Luciano Ribeiro,Terapeuta em Dependência Química | Estudante de Psicanálise
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