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Religião, fé e sintoma: quando o sagrado também adoece.

  • Foto do escritor: Luciano Ribeiro
    Luciano Ribeiro
  • 12 de ago.
  • 2 min de leitura
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Na clínica, não é raro encontrar pessoas que, após abandonar a droga, mergulham de forma intensa em práticas religiosas. À primeira vista, pode parecer uma evolução saudável. Mas a psicanálise nos convida a olhar mais de perto: o que está realmente acontecendo?


O sagrado como refúgio


Para muitos, a religião oferece comunidade, propósito e consolo. Mas, quando a espiritualidade se torna um uso compulsivo, pode funcionar como a nova “droga” — um recurso para evitar o contato com a falta, com a angústia e com as questões não simbolizadas.


Assim como a substância anestesia, a fé pode, em alguns casos, funcionar como uma barreira contra o enfrentamento interno:


Frequentar cultos ou reuniões todos os dias para não lidar com o vazio.


Recorrer a frases prontas de “vitória” para calar a dor.


Usar a moral religiosa para reprimir desejos e conflitos.



O risco da moralidade rígida


Freud já apontava que a repressão excessiva não elimina o desejo — apenas o empurra para o inconsciente, de onde retorna, muitas vezes, de forma sintomática.

Lacan reforça: o sujeito não pode viver em plenitude apenas seguindo a Lei; ele precisa criar um sentido próprio, simbolizar a sua falta.


Quando a religião é usada apenas como máscara, o sintoma pode se deslocar:


Do uso da droga para o fanatismo.


Da busca por prazer para a busca de “pureza” absoluta.


Da compulsão pelo consumo para a compulsão pela “obra espiritual”.



Fé viva x fé sintomática


Não se trata de condenar a fé — ela pode ser profundamente transformadora. A diferença está em como ela é vivida:


Fé viva: abre espaço para o sujeito se responsabilizar pela própria vida, sustentar escolhas e lidar com a falta.


Fé sintomática: fecha o sujeito em um roteiro pronto, onde não há espaço para questionar ou simbolizar o próprio desejo.



Perguntas para refletir


1. Minha prática espiritual me aproxima ou me afasta do enfrentamento da minha história?



2. Uso a fé para sustentar meu desejo ou para evitá-lo?



3. Estou buscando Deus ou apenas tentando fugir de mim mesmo?


Por Luciano Ribeiro, terapeuta em dependência química e estudante de psicanálise.

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