A Sobriedade é uma Qualidade, Não Apenas um Estado de Abstinência (recuperação da dependência química).
- Luciano Ribeiro
- 23 de jul.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 6 horas

Este texto é uma introdução ao que tenho preparado para dizer a muitos dependentes químicos e familiares que ainda não compreenderam a complexidade da recuperação da dependência química. Leia com atenção e volte sempre: este tema é profundo e exige tempo para ser assimilado.
Mesmo depois de anos convivendo com a doença, participando de tratamentos e recaídas, vejo dependentes químicos e familiares ainda confusos sobre o que realmente significa estar em recuperação. Essa falta de clareza torna tudo mais vulnerável: quando ocorre uma recaída, parece que o mundo desaba.
E desaba por um motivo simples: a maioria ainda acredita que parar de usar é o suficiente. Mas isso é só a superfície.
Sobriedade não é apenas estar limpo
Sobriedade é um conceito muito mais amplo: é a qualidade de ser, um longo caminho que se constrói após a abstinência, quando o dependente consegue assumir o controle de sua vida emocional, psicológica, afetiva, social e espiritual, ou seja, é o caminha da reconstrução da falta estrutural. Não é apenas parar de usar drogas, mas reestruturar a forma de existir.
Por isso, proponho que você amplie o conceito de abstinência. Ela não é só “vontade de usar” resistida conscientemente. Isso é apenas um aspecto — a abstinência consciente. Mas existe outra: a abstinência velada, que aparece maquiada em sintomas como irritabilidade, ansiedade, agressividade, dores físicas.
E há, ainda, um conceito mais profundo: a abstinência como um novo estilo de vida. É quando a pessoa decide não apenas parar de usar, mas ser um abstêmio. É uma escolha existencial. Um compromisso com uma forma de viver radicalmente diferente da anterior, baseada em novos hábitos e princípios, é quebrar a logica da busca pela completude.
O início: onde a maioria cai
Essa é a fase mais delicada. É como engatinhar novamente na vida. Aqui, tudo é difícil:
✔ Emoções desorganizadas.
✔ Sintomas psíquicos intensos.
✔ Fragilidade extrema.
Muitos caem porque acreditam que estar sem a droga basta. Mas a doença não se resume à substância — ela já deixou marcas emocionais e cognitivas que persistem mesmo em abstinência. Como Freud nos lembra: “A supressão do sintoma não é cura” (Freud, 1917).
E, nesse ponto, surge a armadilha: autoengano e prepotência. O dependente acredita que pode “pular etapas”, tocar o que só um processo contínuo o tornará capaz de tocar. Quer viver a vida como vivia a relação com a droga: de forma imediatista, tudo aqui e agora.
Sobriedade: resultado da permanência
A sobriedade é fruto da permanência na abstinência — entendida como esse novo estilo de vida — e do uso de todas as ferramentas possíveis: psicoterapia, grupos, espiritualidade, novos vínculos, novas rotinas.
Porque aqui está a verdade dura: a droga é só a cereja do bolo. A recaída começa muito antes da primeira dose. Ela é um processo interno, silencioso, que se materializa no uso, mas não precisa dele para dizer que alguém está doente.
Não adianta ficar sem a droga, mas manter uma vida drogada: relações tóxicas, compulsões, imediatismo, ausência de sentido, mantendo a lógica compulsiva.
Por que muitos acham a recuperação um “saco”?
Porque não entendem nem o Gênesis do processo e já querem colher resultados imediatos. Ainda se relacionam com a vida como se relacionavam com a droga: sem espera, sem elaboração, sem construção.
Mas sobriedade não é um golpe de sorte. É um trabalho de vida. É a transição da lógica da urgência para a lógica do desejo — que, como ensina Lacan, só se constrói no tempo e na linguagem (Lacan, Seminário 7).
“Abstinência é um ato. Sobriedade é uma conquista.”
Por Luciano Ribeiro — Terapeuta em Dependência Química | Estudante de Psicanálise
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